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26 de novembro de 2007

Alguém escreve ao coronel ?
Uma outra forma de perceber a história recente do Brasil

Alexandre Campinas, Anne Lages e Carolina Ávila


É necessário chegar na hora marcada. Afinal, ninguém desconhece o caxiismo militar. Em todos os sentidos: Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o Pacificador – há contestação histórica, que joga a alcunha na conta de uma mitificação interessada –, como se aprende nas aulas de história do Brasil, é o patrono do exército e paradigma nacional do comportamento certinho, impoluto. Sobre o caxiismo, disse o sociólogo Gilberto Freyre: “não é o conjunto de virtudes apenas militares, mas de virtudes cívicas, comuns a militares e civis”, portanto a pontualidade está incluída.

Na subida da engarrafada Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte, a caminho da casa do coronel, olhamos para o relógio. Faltam cinco minutos para a hora marcada. A solução imediata é telefonar, avisando sobre a possibilidade de um pequeno atraso. Ponto para a empatia. Rigorosamente pontuais, tocamos a campainha em cima das 13.30h. Bela casa. Dois andares, mangueira carregada no jardim. Na garagem, dois carros rigorosamente iguais dão a noção de que encontraremos personagens sistemáticos pela frente. Dona Graça, a esposa, jus ao nome, recebe-nos com hospitaleira simpatia. O coronel desce as escadas e convida-nos a subir com ele para o escritório. É Carlos Cláudio Miguez, descendente de imigrante espanhol, homem na faixa dos setenta anos, pele muito clara e face rosada.

Carlos Cláudio Miguez em seu QG

(Foto: Anne Lages)


Flamengo, livros e ideologia

No escritório, a estante repleta de livros com temática única (reacionária como diriam os que não acreditam na possibilidade de convivência política das diferenças ideológicas – e, a bem da verdade, também Carlos Miguez alimenta essa polarização) indica com clareza o pensamento do dono da casa: liberal de direita, na linha preconizada pelo falecido economista Roberto Campos. O ambiente é completado com antigas fotos dos tempos da caserna, medalhas e uma bandeira do Flamengo, clube de coração do militar. “Meu pai levava-me para o campo da Gávea para assistir os jogos. A bandeira, velhinha, que guardo com carinho, é daquele tempo”, entusiasma-se com suas recordações de Biguá, Pavão, Dequinha, Bigode e outros craques rubro-negros.

Flamengo - 1948

Aos poucos, o menino criado no imenso areal transformado na Copacabana dos anos 40 e educado entre os classemedianos colégios Marista e Militar, ambos na Tijuca, Rio de Janeiro, revela a construção do homem e a formação de uma ideologia. Em tempos de pluralidade política e diversidade de opiniões, o coronel Miguez parece uma exceção, isolada em um passado autoritário recente. Nem tanta exceção e muito menos isolamento. Escrevem, sim, ao coronel e o coronel também escreve. Muito. Faz parte de um grupo de militares – exército, principalmente – e civis que dedica-se a uma causa: afastar os perigos do comunismo do Brasil. Para isso, oficiais da ativa e reserva, jornalistas, filósofos, artistas e sociólogos, colaboram para o jornal do Grupo Inconfidência, editado por Carlos Miguez, que também edita livros.

“Põe aí na sua matéria: o Sirkis estava certo quando escreveu em seu livro, Os Carbonários, que nós vencemos a guerra contra o comunismo, mas eles venceram a batalha da mídia”, reclama o coronel dizendo que jornais, tv's, rádio, revistas e internet estão tomados por um pensamento que, sub-repticiamente, constrói a ideologia socialista, nos moldes propostos pelo pensador Gramsci. “Vocês, jornalistas têm o dever de contar a verdade, sem partidarismos. Hoje tudo está tomado por eles (os socialistas), até nas escolas: os livros didáticos cometem grandes atrocidades. Denigrem a imagem de Caxias, realçam o ditador paraguaio Solano Lopez, exaltam as ditaduras comunistas de Cuba, China, Nicarágua... Os livros de história adotados e distribuídos pelo MEC são a porno-marxização da educação”, polemiza Miguez.

1964

Quando o assunto é o golpe militar de 1964, o coronel procura esclarecer o seu ponto de vista. Segundo afirma Miguez, não houve golpe, muito menos de urdidura militar. A visão do coronel é a de que desde a renúncia de Jânio Quadros (“um louco”), em 61, o país vivia sem mando, aberto a qualquer tentativa de expansão do comunismo em terras brasileiras. João Goulart, o vice-presidente de Jânio Quadros, assumiu um governo parlamentarista por força de uma conjuntura que impôs aquela forma de regime como a única viável para que ele ocupasse a presidência (Tancredo Neves foi o primeiro-ministro) e que, logo depois, voltou à estrutura presidencialista por exigência de um plebiscito. Carlos Miguez afirma que João Goulart (Jango) não tinha condições para estar a frente de um governo. “Era um estancieiro bonachão, um banana nas mãos do cunhado Leonel Brizola e sua turma. As raposas iriam transformar isso aqui numa ditadura comunista” diz Miguez, destacando que a sociedade civil e o empresariado já não agüentavam tantas greves, tanta confusão e a situação econômica deteriorada. Por isso as forças armadas intervieram.

Uma opinião

Veja outra opinião

Coronel Miguez: "Jornalistas devem contar a verdade..."

(Foto: Anne Lages)

“Era uma situação complicada, perigosa. A classe média não suportavam mais e pediu aos militares a intervenção. Houve as enormes passeatas pelo Brasil afora. Eram as Marchas com Deus Pela Família e Pela Liberdade. Não houve golpe, e sim um movimento contra-revolucionário contra os comunistas e baderneiros. Tanto que a sociedade apelidou o movimento de A Redentora. Das janelas das casas, as famílias saudavam a contra-revolução, o que prova o que afirmo”, entusiasma-se Miguez.

Segundo o coronel, o governo da Junta Militar e o do general Castelo Branco estavam preparados para sanear e devolver o país em condições para as eleições de 65, mas começaram as disputas políticas pela presidência. Carlos Lacerda, governador da Guanabara (que apoiou 64) e Juscelino Kubistchek acabaram com os direitos políticos cassados, junto com várias outras pessoas. A partir daí, ainda segundo Carlos Miguez, o que se seguiu foi uma tentativa de badernização do Brasil. Estudantes, operários, militantes, políticos tentaram tumultuar o clima democrático reinante o que, ao longo do tempo, resultou no Ato Institucional nº 5, o AI-5, em dezembro de 1968, radicalmente restritivo. “Era a forma de combater os subversivos, terroristas que matavam militares, policiais e gente comum em atos de guerra”, justifica o coronel.

Anos de chumbo

Quando a entrevista encaminha-se para os anos mais duros do regime militar, o coronel Miguez é taxativo: “Houve uma guerra. Tudo o que fizemos foi necessário, imperioso para aquele momento. Os terroristas com seus assaltos, seqüestros e ações iriam acabar com o país, com a paz, com o enorme desenvolvimento econômico do Brasil”. Pausa para um sorriso de Carlos Miguez. É a neta que traz, graciosamente, um cafezinho. Arrumamos a bandeja desajeitadamente e o coronel sugere que uma colega jornalista sirva o açúcar, afinal, diz Miguez, “elas têm muito mais jeito para essas coisas”.

Nosso entrevistado aproveita a pausa para mostrar edições passadas do jornal Inconfidência. “Olhem aí o artigo do Ustra (cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra) ! Ele não tem como se defender daquela moça que o acusou de torturador. Só aqui no jornal. A imprensa está toda tomada. Foi tudo mentira daquela atriz... A verdade está toda aí”, reclama o coronel. O caso é o da atriz Bete Mendes que, participante de uma comitiva do governo brasileiro – na época do presidente José Sarney – em visita ao Uruguai, denunciou o então adido militar naquele país, o cel. Ustra, como o homem que, pessoalmente, a torturou. “Houve alguma coisa disso, de torturas e coisa e tal. Tenho que relembrar: era uma guerra e o país estava em risco; mas tem muito exagero nisso tudo. Tem a guerrilha do Caparaó, a guerrilha do Araguaia. Numa guerra mata-se e morre. Agora querem inventar o bolsa-terrorismo. Premiar os inimigos do Brasil. Os terroristas entram com uma ação na justiça e passam a receber mesadas vitalícias, além de indenizações milionárias”, revolta-se.

Aproveitamos o gancho. E Lamarca ? O coronel Miguez não morde a isca da provocação. Jornalistas... Comenta genericamente o absurdo da premiação póstuma, reclama dos valores pagos à viúva, filhos e à antiga companheira do capitão do exército, que um dia entrou para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) levando consigo armas do quartel no qual servia, em São Paulo. Um desertor, segundo nosso personagem. “Olhem aí no jornal. Está tudo escrito aí”, tenta escapar por uma tangente. Insistimos. E a possibilidade de uma promoção póstuma a general ? “Ele nem chegou a coronel. Isso foi coisa política, para aumentar a tal indenização... agora vêm com essa história de general... revanchismo. Coisa do Tarso Genro”, encerra a questão aproveitando sua própria menção a um quadro do PT para comentar o nível de corrupção e desmandos do atual governo. “Aquele moço, o Bruno Maranhão, que comandou a invasão do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), ao senado é da direção do partido... Um absurdo. E ainda por cima, as estatais são cabides de emprego para os militantes petistas”, revolta-se.

Carlos Lamarca


O liberalismo do coronel também é radical. Tão radical que ele considera os falecidos generais Golbery (do Couto e Silva, orquestrador do projeto de abertura política – lenta , segura e gradual – a partir de 1974) e Geisel (Ernesto Geisel, presidente do país entre 1974 e 1978) como estatizantes, responsáveis pelo fim do desenvolvimento econômico obtido até então (o Milagre Econômico teve vez no início da década de 70, baseado no desenvolvimento industrial brasileiro graças à grande oferta de combustível barato e crédito praticamente infinito. Terminou com a Crise do Petróleo e uma enorme dívida externa que acabaram pondo fim na era desenvolvimentista). Ele prega a privatização para que os empresários retomem o crescimento brasileiro.

O Feiticeiro (Golbery) e o Sacerdote (Geisel): estatizantes demais


Democracia



Pode ser que muitos discordem de Carlos Cláudio Miguez; afinal, atualmente, cada um escolhe sua ideologia e a pratica livremente. Entretanto deve-se compreender a postura corporativa do coronel como a de um homem ligado fielmente à ordem das Forças Armadas. Instituição que necessita de uma razoável unidade de pensamento e alta hierarquização para atingir os objetivos de defesa do país contra os inimigos externos. Também pode-se entender o coronel pela maior ligação de sua arma, o exército, com os problemas vividos nas décadas de 60, 70 e 80. Eram os seus camaradas que estavam a frente dos eventuais combates, perdendo fileiras e lutando por um ideal. Assim como também ocorre com o outro lado da mesma história. Outros militares consultados garantem que os radicais não são maioria nas corporações, porém as histórias e as feridas dos anos de governo militar ainda circulam vivas na caserna.

É plenamente garantido ao coronel Miguez, aos seus companheiros do Grupo Inconfidência, aos participantes do Grupo Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), entre outros, o direito à defesa de suas convicções e de seus ideais. Assim como também deve acontecer com os pensam de forma diferente. São as vantagens da democracia política. Despedimo-nos de Carlos aproveitando uma carona Avenida Raja Gabaglia abaixo. Ao deixar-nos próximo à uma agência dos Correios, onde iria tratar da postagem do jornal Inconfidência, o coronel Miguez fez um pedido: “Podem por isso na sua matéria: a situação, hoje, está pior do que em 64. Podem por isso aí !” É o velho coronel que, ao contrário do personagem de Garcia Marquez, está forte, vigoroso e acompanhado em seus 70 anos.

Veja mais fotos de autores diversos

18 de junho de 2007

Concurso internacional de fotografias
homenageia Niemeyer
No centenário do arquiteto, prêmio será de 5 mil Euros


Em 15 de dezembro deste ano, Oscar Niemeyer completará 100 anos. Para homenagear a data, um grupo de cidadãos, empresas e instituições portuguesas da cidade de Funchal, na Ilha da Madeira, organizou um concurso de fotografias que terá como tema a obra arquitetônica de Niemeyer.

Arte sobre pilotis e pérgula da piscina no Pestana Casino Park:
estilo inconfundível (foto: divulgação)


O arquiteto é o responsável pelo projeto do Pestana Casino Park, de 1966, na cidade portuguesa, que também entra na reta final da comemoração dos 500 anos de existência. Além do concurso, os funchalenses reeditarão o livro O Nosso Niemeyer, de Carlos Oliveira Santos. As inscrições para o concurso poderão ser feitas até o dia 30 de agosto. O vencedor do "Grande Prêmio Niemeyer 100 Anos" receberá 5 mil Euros.

Arquitetura global

A arquitetura de Niemeyer está presente em todo o mundo. Da sede do Partido Comunista Francês ao Colégio Cataguases (MG), do complexo arquitetônico da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, ao balneário da cidade independente de Postdam, leste da alemanha. Sem esquecer a maravilha criativa que é o conjunto de obras - de arte - que compõe Brasília.

Igreja de São Francisco de Assis faz parte do complexo arquitetônico

da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte (foto: Cristiano Quintino)

Ao completar 100 anos de vida, Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares receberá muitas homenagens. Serão exposições, documentários e uma infinidade de eventos que podem ser acompanhados pelo site feito em homenagem ao centenário.

Oscar Niemeyer sob o traço de Fernandes (Santo André/SP)

Regulamento

Para quem deseja participar do concurso de fotografias, vale a pena conferir o regulamento diretamente no site criado para a homenagem em Portugal.

15 de junho de 2007

Artes, artistas,
Artesãos, artesanato

A confusão nossa de cada dia


É comum depararmo-nos com quadros, esculturas, painéis e tantas outras manifestações estéticas. Nossos templos, repartições, praças estão repletos do que convencionou-se nomear de arte, fora os espaços específicos, como museus e galerias. São elementos palpáveis – ou não – destinados a provocar reações: agrado, comoção, irritação, contrariedade, etc.
Também de arte chamamos os penduricalhos que ornam as pessoas, os bibelôs espalhados pelas casas, as "pinturas de compor ambientes", as cestarias e muitos outros objetos do cotidiano, utilizados para tornar mais bela e agradável a nossa caminhada.
(foto: AC, sobre livro do autor)
Trigais III - Carlos Bracher

Paquetá - Di Cavalcanti


Arte ou artesanato ?

Até que ponto o artesanato é arte ? A partir de qual instante a arte passa a ser artesanato ? A quem é dado o poder de rotular, classificar, codificar e estabelecer o que uma coisa e outra são ? E, principalmente, quem dá esse poder ?


Segundo os dicionários, a arte é uma atividade de expressão estética de sensações e idéias. O artista é aquele que pratica uma arte, que revela sentimento artístico, mas também – está lá, no dicionário – um artesão, artífice. E o pai dos burros é definitivo quando a intenção é confundir: artesanato é a arte ou técnica do artesão, que, por sua vez, é definido como um trabalhador autônomo que exerce um trabalho manual. Ou seja, voltamos à estaca zero.


De acordo com o artista plástico Rafael Abreu, o comum é imaginar a arte como um processo de maior elaboração, enquanto o artesanato geralmente é vinculado a um processo repetitivo, elaborado em escala, e, por isso, de rápida execução. "Mas não se pode negar, que em ambos os casos, há sempre uma interferência artística, um momento inicial de criação. Talvez o que torne artesanato, aquilo que, inicialmente foi tido como arte, seja a intenção reprodutiva. A popularização é que dá o cunho artesanal", sugere Rafael.
(foto: AC)
Rafael Abreu entre arte e artesanato
(foto: AC)
Detalhe de bolsa artesanal de Maurília

(foto: AC)
Ímas artesanais de João Lobo ao lado de tela de Gilberto Abreu: convivência harmônica

(foto: AC)

Artesanato: pintura em garrafas de Tamira Abreu,
cartões de Flô e bonecos de Hudson de Souza
Rafael diz que o que confere qualidade artística é a permanência e reconhecimento da obra através dos tempos, as escolas que criou, os estilos que influenciou. "Temos que lembrar que, para a sua época, Van Gogh era apenas um artista de feira, um artesão. Arthur Bispo do Rosário e o Profeta Gentileza eram considerados loucos: um internado, outro, andarilho. Hoje, a análise artística tende a caminhar junto ao contemporâneo e não sabemos no que pode dar, a arte necessita de amadurecimento", afirma.


Gentileza: mensagem e design

Rafael Abreu destaca que grandes artistas começaram como artesãos. De acordo com Abreu, Antonio Poteiro faz juz ao cognome, fabricava potes de cerâmica antes de partir para as cores e de lá, para as telas. Francisco Brennand viabilizou sua arte cerâmica com uma fábrica de revestimentos: pisos, ladrilhos, etc. "Os ceramistas do Vale do Jequitinhonha são artistas fantásticos e nem por isso suas obras – e eles mesmos o fazem – deixam de tomar o caminho do artesanato por uma questão de sobrevivência", explica Rafael Abreu, que começou fazendo pinturas em camisetas.
(foto: AC)
Quadro de Antônio Poteiro

Cerâmicas de Brennand ( Oficina Brennand )


Noiva: cerâmica do Vale do Jequitinhonha


"Não se pode negar que o artesanato surge a partir de um projeto de arte, mas entendo que nem tudo o que se produz em repetições deva ser chamado de artesanato. É apenas uma forma de divulgação maior de um trabalho de qualidade", enfatiza Rafael. O artista relembra as produções em série de artistas de outras áreas e cita como exemplo o escritor francês Honoré de Balzac ou brasileiro Machado de Assis, que reproduziam suas obras de todas as formas possíveis, como meio de sobrevivência. "Seria justo chamar aquela literatura de artesanato ?", questiona Rafael.
A pensar
Artesanato, então, seria a arte em potencial, pronta para explodir, ou tomar outro caminho. Talvez o único padrão capaz de diferenciar arte de artesanato seja a estética. Aistetikós, palavra grega que deu origem a estética, significa "aquilo que é relativo aos sentidos ou sensações". A estética é a filosofia da arte, estuda as relações entre crítica e gosto. Dessa forma podemos sugerir uma classificação ao melhor estilo dos filósofos empiristas, para os quais todo o tipo de conhecimento provém da percepção. O entendimento de arte seria, então, a soma das experimentações individuais e coletivas.
Coisa de Pirandello: Assim é, se lhe parece.

31 de maio de 2007

Comunidade radioativa
Uma história de resistência cultural comunitária


Periferia ativa: Taquaril FM (foto AC)


Quem vê a fachada da casa simples não consegue supor que lá dentro funciona uma emissora de rádio. No alto do bairro Taquaril B, em Belo Horizonte, numa rua estreita e mal iluminada, junto da praça Che Guevara, funciona a Taquaril FM. Talvez - vá lá - os mais atenciosos reparem na antena, mas, mesmo assim, é difícil estabelecer uma relação da casinha com o que se espera de uma rádio.

Transmitindo diariamente de 06.00h as 22.00h, desde 2001, a Taquaril FM tem uma programação eclética. Da primeira atração da grade, o Café Sertanejo, ao programa Variedades que encerra as atividades diárias, os locutores e o operador de áudio Zé Vieira revezam-se no apertado cômodo utilizado como estúdio. São eles que fazem a programação navegar do Rap aos hits populares. Da Hora do Ângelus ao Funk.



Zé Vieira opera os equipamentos:
mágica das 06.00h às 22.00h (foto AC)

"Esse é o nosso jeito de atingir, da melhor forma possível, os nossos ouvintes. Não podemos esquecer que somos uma rádio comunitária, ligada à Associação de Moradores do Bairro Taquaril. Por isso mesmo não podemos nem pensar em preconceitos culturais", é o que garante o rapper e apresentador do programa Rap na Veia, W2.


W2: "somos rádio comunitária; pirata não". (foto AC)

É assim que ele prefere ser chamado. É assim que é conhecido pelos ouvintes da rádio, cuja potência alcança os bairros mais próximos: Taquaril A e B, Alto Vera Cruz, Castanheiras, Casa Branca e Saudade. "Nós já demos entrada com o nosso protocolo na Anatel e agora esperamos o deferimento. Não somos rádio-pirata. Somos contra esse tipo de radio-difusão e respeitamos o limite da potência estabelecida, que é de 25 watts. As transmissões chegam apenas na comunidade, sem atropelar rádio alguma ou quaisquer outros tipos de rádio-comunicação", garante W2, que, no entanto, reclama das rádio-piratas, comandadas por interesses pessoais, que não respeitam o espaço do dial. "Entram até em nossa freqüência", reclama.

Desejo da comunidade

A Taquaril FM surgiu como uma demanda do bairro. Era necessário um canal de comunicação para que os assuntos da associação chegassem de uma forma facilitada em toda a comunidade e para que todos entendessem. "Os meios de comunicação tradicionais, comerciais, têm suas políticas. É impossível debater determinados assuntos. Também tem a questão de identificação, porque nós, aqui, temos uma linguagem própria, bem diferente do tradicional das FM`s", esclarece W2. Ele tem 28 anos e a Taquaril FM não é sua primeira experiência. Trabalhou em outra rádio, a Comunicativa FM, até que parte dos proprietários resolveu unir-se a associação comunitária para criar uma nova rádio. W2 veio junto com os irmãos Nenéu e Girlando e com o amigo Marcelo Cardoso. A rádio funciona como um catalizador de pessoas e desejos.

Rádio sem preconceitos para servir à comunidade (foto AC)


Antes mesmo de entrar no pequenino estúdio, passa-se por uma espécie de sala, ou corredor, onde estão empilhadas cadeiras, mesas, objetos diversos e uma cadeira de rodas sanitária, evidente sinal de como funciona, e bem, o serviço de utilidade pública da rádio. "Era uma necessidade nossa ter uma fonte de divulgação da cultura dos grupos locais. Ninguém iria divulgar o nosso trabalho. A gente não pode aceitar só o que vem de fora. Também produzimos cultura. Temos aqui grupos culturais diversos. É capoeira, é rap, é funk, é samba e tudo mais. A rádio atende a todos os grupos sem discriminação" diz, com orgulho, W2.

Rap na Veia

O Rap na Veia vai ao ar de segunda a sábado, no horário de 16.00h as 17.30h. Durante a semana é W2 quem comanda a atração. Aos sábados, o irmão Nenéu assume. O programa divulga a produção local dos grupos de cultura Hip-hop. W2 conta a história do movimento surgido na Jamaica, há 40 anos. Segundo o radialista, o movimento era uma forma de união cultural e resistência. "Lá havia violência e, depois do Hip-hop, aquela violência caiu em 60%. Daí foi para os Estados Unidos, rapidamente adotado pelas comunidades de lá e com o mesmo efeito de diminuição da violência. Chegou no Brasil em 1985, em São Paulo, e, de lá pra cá, só faz crescer", explica W2. Ele afirma que o Hip-hop nada tem a ver com aculturação. "Muito pelo contrário. Cantamos música em português e a temática é totalmente nossa. Nossas vidas, nossos dissabores, nossa luta diária, a opressão da polícia...", conta o rapper que, no início do programa, era ameaçado de morte em ligações anônimas. "Fui até agredido mesmo. Aí eu abri o espaço para que eles falassem. Quer falar ? É contra ? Quer ameaçar ? Vem cá. O microfone tá aberto, é só reclamar. Tudo é democrático aqui.", esclarece W2 que, depois, passou a incentivar a valorização da comunidade através da denúncia de ações de abuso de poder.

Modulação aberta à todos (foto AC)


Segundo W2, após essa campanha as pessoas começaram a ligar e denunciar os abusos para a corregedoria (da PM). A situação mudou. "Mudou. Mudou a relação. Passaram a respeitar a comunidade. E proteger, como é mesmo a função deles. É isso o que a rádio faz: cria identificação, a comunidade se abraça numa teia de proteção, se faz forte e se valoriza. Valoriza as pessoas, valoriza a cultura. A partir do Hip-hop, das letras dos raps, da arte dos grafites, da dança dos BBoys e dos DJ`s, a comunidade descobre o samba, descobre as folias, a beleza do canto das lavadeiras", enfatiza W2. E, tudo isso, segundo o rapper, com a linguagem local.

Legitimidade política

W2 afirma que a partir da rádio (e do rap) as pessoas passaram a querer mais, a exigir mais, entender melhor os seus direitos. "Antes a gente esculachava geral nas letras, até que descobrimos que só reclamar não adianta. Fizemos uma autocrítica. Assim, nos tornamos mais políticos. As letras, hoje, mais propõem do que reclamam, são nossas soluções, é a nossa voz verdadeira que sai em cada casa. Até os mais velhos que ligam para participar do programa entendem o que falamos, nossa gíria, nossos códigos. Eles sabem que no fundo, falamos de todos, e para todos. Uns até reclamam que falo demais e que poderia ter mais música no programa. Mas é o nosso momento de questionar. O rap te leva a pensar. Você não assiste a música: você vive a música. Conscientização pura, mano". A partir da resposta popular ao programa, houve uma união de movimentos culturais de toda a região. Essa união gerou a Aliança Cultural (várias tendências) e o projeto Arte no Morro que realiza eventos, geralmente no palco de cimento da praça Che Guevara, uma conquista comunitária.


Palco Cultural Zumbi dos Palmares: a praça Che Guevara é do povo,
como o céu é do condor (foto AC)

É hora de W2 ir para casa. Trabalhou durante toda a manhã num bico de pedreiro, enquanto está desempregado. Apesar do cansaço, ainda sobra disposição para mostrar uma parte do terreno da casa, coberto de moitas de mamona. "Aqui será a biblioteca comunitária. A comunidade tem que ler, tem que conhecer. Vai funcionar aqui. Junto com a rádio. Nosso projeto não é cantar e ganhar dinheiro com a pornografia", alfineta W2, e continua "Tem estilo musical que se vendeu para a grande mídia. O rap não é assim, o movimento Hip-hop não é assim. A gente não é assim", mas logo avisa, para deixar claro que não há preconceitos: "A Taquaril FM tem até programa de funk, mas só funk bom. Nada de palavrões e coisas do tipo desvalorizar o sexo feminino. Isso não constrói nada", e assim encerra o seu discurso coerente na noite gelada do alto do bairro Taquaril.

No dial

  • A Taquaril FM pode ser sintonizada nos bairros citados, região leste de Belo Horizonte, na freqüência de 102,7 mHz.

  • No dia 10 de junho será realizado mais um Arte no Morro. Dessa vez, será um evento só de rap. As 17.00h, na praça Che Guevara, bairro Taquaril. As linhas de ônibus 9412 e 9803 fazem a ligação a partir de pontos no centro da cidade. Maiores informações pelo telefone da Taquaril FM: 3483-8803.

20 de maio de 2007

NA MARCA DO PÊNALTI
Jornalismo esportivo independente


O jornalista esportivo Jorge Eduardo (Rádio Globo - Brasil) inaugura o seu blog. Começa bem, com um golaço: foi o primeiro a postar na rede o milésimo gol do Romário. Tempo real é isso !
Jorge Eduardo (arquivo pessoal)
NA MARCA DO PÊNALTI tem tudo para ser um espaço democrático na rede para o jornalismo esportivo. Jorge garante a independência da informação, sem dar espaço para a cornetagem. Além de tudo, o jornalista é um tremendo pé-quente: desencantou o "Baixinho".
Vai fundo Jorge !
"Fique com Deus, porque... Ele existe "

18 de maio de 2007

Noite de erotismo literário
De Marquês de Sade a Bruna Surfistinha
No dia 11 de maio, última noite da 1ª Semana de Literatura e Comunicação da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte, os professores Célia Nonata, Ricardo Figueiredo e Helenice Almeida Santos encerraram a programação fazendo uma palestra sobre literatura erótica.



Célia Nonata, palestrante:
í
cone pop ou tema eletrizante demais ?
(foto: AC)

Célia partiu do Marquês de Sade e a literatura contemporânea deste, como a obra Teresa Filósofa (texto de autoria atribuída ao Marquês d'Argens), para explicar os contextos históricos que envolvem esse gênero literário. De acordo com a professora, Sade contribuiu de forma extraordinária para a resistência ao despotismo do Rei Sol, Luís XIV, e sua côrte. A literatura erótica foi utilizada para ridicularizar o núcleo de poder, expondo os vícios dos que se consideravam puritanos e ditavam as normas.


Imagem crua e - absolutamente - nua


As orgias versallescas eram mostradas em folhetins ricamente ilustrados. A professora Célia projetou cenas da elite francesa no século XVIII que mostravam nobreza e clero partícipes de orgias, bestialismo e muito sado-masoquismo, deixando claro o que Sade revelava de seu tempo histórico: despotismo e hipocrisia. Os folhetins que ajudaram a implodir o sistema custaram caro ao sádico Marquês: bons anos de prisão na Torre de Vincennes e um final de vida melancólico no Hospício de Charenton.



Ilustração para o livro de Sade - A História de Juliette


A literatura erótica permanece na República e, depois, no Império Napoleônico. Embora um pouco mais contida, segue como expressão artística, chegando à delicadeza do Art Noveau, quando miscigena sagrado e profano. De acordo com o professor Ricardo Figueiredo, outros autores utilizaram formas mais sutis de erotismo em suas obras, como nos romances de Honoré de Balzac (A Mulher de Trinta Anos), ou nos contos de Guy de Maupassant (Bola de Sebo, base intertextual para que Chico Buarque, muitos anos depois, compusesse a canção Geni e o Zepelim). Essas variantes deram à literatura francesa uma posição de contra-ponto ao pudico vitorianismo inglês.

Brasil erótico: do barroco à Carlos Zéfiro


Ricardo, Helenice e Célia também falaram sobre o erotismo na literatura brasileira. Mesmo antes de Sade, Gregório de Matos, o Boca do Inferno, já denunciava os hábitos escusos dos próceres baianos da época. Desse início até Carlos Zéfiro, encontra-se o erótico em estilos tão díspares quanto o arcadismo de Tomás Antônio Gonzaga ou o romantismo de José de Alencar. A arte erótica perpassa as obras dos mestres da literatura do fim do século XIX e início do século XX, como Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio e pelo teatro de Martins Pena e Arthur Azevedo, desembocando, vigoroso, na poesia e na prosa modernista de Menotti del Pichia, Carlos Drumond de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e outros.

Quadrinho de Carlos Zéfiro - "Tenho vergonha, padre !"


Capa de história de Carlos Zéfiro


Capa de livro de Cassandra Rios

As qualidades de Eros são vivas em Jorge Amado, insinuantes em Guimarães Rosa e apaixonadas em Vinícius de Morais. Sem esquecer do impulso personalista e sensual de Clarice Lispector. Cassandra Rios e Carlos Zéfiro surgem e mantêm-se num momento de efervescência política, repetindo Sade. Como se fosse um recomeço de ciclo, apontam as hipocrisias utilizando o erotismo. A literatura chega aos dias atuais com autores que expõem o erotismo e, até mesmo utilizam-se dele como objeto principal de suas obras. É o caso do realismo de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Sutilezas – ou não – de Paulo Leminski, Chacal e Glauco Mattoso, a dedicada literatura - por vezes temática - de João Silvério Trevisan e a explosão de novos autores (com a possibilidade midiática da internet) que reacendem a fantasia erótica em sua forma mais radical.

Erotismo revolucionário,

Pornografia reacionária

Célia Nonata despertou mais um debate com a eterna dicotomia erotismo/pornografia. Segundo Célia, o erotismo é parte indissociável do ser humano. Amor e desejo, de acordo com a psicanálise moderna, estão presentes na política, religião e sociedade. A partir da 2ª Grande Guerra Mundial há uma sensível diminuição da produção literária erótica, ao passo que a pornografia surge com tremenda força. O que causaria tal fenômeno ?

A pornografia (sem ligações comprometidas com a fantasia) surge – não coincidentemente – ao mesmo tempo em que despontam as técnicas de comunicação de massa nos EUA e na Alemanha nazista.

A capa do livro de Bruna Surfistinha e um cartaz de filme pornô.
Representações acabadas da alienação.


Assim como Célia, os professores Ricardo e Helenice não percebem na pornografia a mesma transcendência do erotismo. Pornografia, conforme explicado por eles, é um produto acabado, pronto para consumo imediato, de valor imanente: pseudo-erotismo de massa com o mesmo efeito alienante da literária pílula de soma de Aldous Huxsley.

Sob esse ponto de vista pode-se dizer que a pornografia é ideológica. Dogmática e reacionária, é destinada a ser fim em si mesma, como no livro O Doce Veneno do Escorpião, no qual a autora, a ex-garota de programas Bruna Surfistinha, faz uma espécie de Memorial Laboral. Por outro lado, o erotismo, menos lacunar, permite que se preencha o espaço intersticial com sonho e fantasia. Garante eterna construção, assim como o ser humano.

Debate pega fogo




Sintaxe visual garante a sensualidade do tema
(foto: AC)

Na platéia, o professor Carlos Alberto ainda tentou correlacionar a super-valorização da pornografia aos movimentos autoritários, notadamente durante a recente ditadura militar brasileira, mas àquela altura, mentes, corpos e corações já projetavam-se em outras direções, movendo-se por esferas mais cúpidas.
Tanto o fato é verdade, que corrobora-se no episódio do princípio de incêndio ocorrido na mesa dos palestrantes, exatamente em frente à professora Helenice. Em meio ao fogo e à fumaça, Helenice assemelhava-se à Enotea, sacerdotisa de Priapo, descrita por Petronio no Satiricom.

Auto-combustão ?


Helenice, em meio à fumaça: fogo & paixão

(cinegrafista: William Felix/fotograma: Claudinei Souza/FESBH)

Na saída do auditório, maçãs-do-amor foram distribuídas aos pequenos grupos que ainda debatiam animadamente sobre o erotismo.


Ou seria sobre a bela túnica rubra de Helenice ?

16 de abril de 2007

Campina Grande (PB) de bola cheia

Pedro Ribeiro Lima e outros grandes

Pelé, consenso planetário quando o assunto é futebol, atingiu a marca do milésimo gol aos 29 anos de idade; já o atacante alemão Gerd Müller marcou 1497 vezes em 14 anos de carreira. O craque húngaro Ferenc Puskas balançou as redes mais de mil vezes, deixando o futebol em 1967, com quase 40 anos. Também quarentão, o atacante Romário segue ansioso pelo milésimo gol. E o tal Pedro da manchete acima ? Pedro quem ?

Pedro comemora o primeiro gol da carreira profissional. Foi pelo campeonato estadual da Paraíba, no dia 28 de março, uma data que ficará na história do jogador. O gol foi de pênalti, mas não adiantou muito para sua equipe, que perdeu de 5 x 1 para a Campinense. O volante é um jogador marrento, daqueles tipos que, quando substituídos, reclamam do técnico. Aliás, também o presidente do clube e o patrocinador ficam na bronca quando ele é substituído. O atleta, que tem 58 anos, 1,62 m e oitenta quilos, leva o nome completo de Pedro Ribeiro Lima e a equipe paraibana é a Associação Desportiva Perilima, que estréia em 2007 na primeira divisão do estado.

O volante Pedro

Ibis ou Tabajara ?

É exatamente o que se está pensando. O craque, além de ser o presidente do clube que leva as sílabas do próprio nome, é também o empresário que patrocina o Perilima através de uma fábrica de produtos alimentícios. O time não vai bem. Perdeu todos os jogos que disputou até agora, sofrendo inclusive uma goleada de 11 x 0 aplicada pelo Treze de Campina Grande. O perfil é similar ao do lendário Ibis Sport Club, de Pernambuco. O Perilima disputa a série principal porque, de acordo com o regulamento da Federação Paraibana de Futebol, a cada ano sobem dois times da segunda divisão. Em 2006 apenas dois times disputaram a segundona paraibana e o Perilima foi o segundo colocado. Há quem compare maliciosamente o Perilima ao Tabajara, do programa humorístico Casseta e Planeta, da Tv Globo.

Escudo do Perilima

Exemplo

Apesar de tudo, o mais velho jogador de futebol em atividade no mundo não está triste. “Sou viciado em futebol. Fico doente quando não jogo”, garante Pedro, que gasta cerca de R$ 15 mil por mês com as despesas do Perilima. O volante de Campina Grande tornou-se um exemplo de perseverança ao fundar um clube, comandar uma equipe e cumprir o sonho de ser jogador profissional. O Perilima segue o caminho de retorno à segunda divisão, mas quando a equipe da Águia de Campina Grande entra no gramado do estádio Amigão, casa do clube, Pedro e seus companheiros não demonstram abatimento. Sorriem com o orgulho daqueles que têm a capacidade de realizar.

Estádio Pres. Vargas / Campina Grande - PB

3 de abril de 2007

Nem melhor, nem pior
Tampouco (in)diferente

1,2,3,4,5,6,7 ... Chega ao fim a edição do Big Brother Brasil 7 leia... . A julgar pelos valores das cotas comerciais exclusivas, algo em torno de R$ 1,3 milhão cada, a atração continua em alta no sétimo ano de exibição. Valor endossado pelos índices de audiência - dia mais, dia menos - que o corroboram.


O programa agrega algum valor ao telespectador ? Prejudica ? De tantas verdades absolutas apregoadas, apenas um fato: desperta paixões. Há uma infinidade de opiniões, definições, estudos, defesas acaloradas. De formas diferentes atingem tanto fãs incontestes leia... , quanto àqueles que desejam estudá-lo leia... , passando, obrigatoriamente, pelo artigo acadêmico leia...

Agora a televisão terá mais um ano. A tarefa é analisar erros e acertos, remoldar, deixando tudo pronto para o próximo episódio. O público ? Esse sempre espera.


"(...) Milhares de pessoas pra manter no ar

o sonho aprisionado da menina só

que perde o seu amor

e espera da TV, que ela lhe diga

que ela lhe diga... (...)"

(Virgem dos Olhos de Vidro - Taiguara)

13 de fevereiro de 2007

O pequeno

João Hélio

foi trucidado.


Deus morreu ?



O niilismo (do latim nihil, o nada) do final do século XIX levou Nietzsche à percepção de que o mundo ocidental transpirava falência de valores. Tudo é banalizado diante da impossibilidade de transformar o ruim, de reaver idealismos. Nietzsche tinha razão ao proclamar a morte de Deus ?

Crime sem castigo

Na quarta-feira passada, um crime no bairro de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, atingiu em cheio a alma brasileira. Após dar “voz de assalto” (tempos de inversão de valores) a uma motorista, um grupo tomou-lhe o carro. Após presos, os suspeitos tentam eximir-se de culpas utilizando velhas estratégias. Tudo seria trivial, mais um assalto seguido de roubo. Notícia de jornal de bairro, não fosse a barbárie cometida contra João Hélio.

Alaor Filho/AE

Preso ao cinto de segurança, pendurado no lado de fora do carro, o menino de seis anos foi arrastado sobre o asfalto por sete quilômetros do subúrbio carioca. Morreu como um mártir da (falta) de segurança pública. Nem os rogos da mãe desesperada foram suficientes para comover àqueles a quem nada comove. Se condenados, os suspeitos cumprirão cada um, no máximo, 30 anos de reclusão, sem contar com as possibilidades de redução da pena.

A indignação não pode ser sazonal

A cada novo crime repulsivo, uma onda de manifestações sacode a sociedade. São notícia por algum tempo. Comovem. Vendem jornal e elevam índices de audiência. Entretanto não resolvem e acabam caindo no esquecimento.

Marcos DPaula/AE

Não nos comovemos mais ? A impressão é de que nada nos afeta se não nos atingir diretamente. Nem o tráfico de drogas com características estruturais de grande empresa, nem a transformação de parte das instituições de segurança oficiais do Rio de Janeiro em milícias, nem o inexplicável abuso de poder no caso da Favela Naval em São Paulo, tampouco o massacre de crianças no bairro Taquaril em Belo Horizonte (alguém ainda se lembra ?) ou o ex-deputado que serrava desafetos.

O crime institucionalizou-se. Marginais legislam, julgam e, como no caso do massacre do jornalista Tim Lopes, executam. Literalmente. É impossível discordar do jornalista (entre outras tantas ocupações) Millôr Fernandes: "O crime está na esquina e a justiça mora longe."

Sem esperança, prevalecerá o niilismo que, de tanto desvalorizar os caminhos humanos, acaba desvalorizando a própria existência, transformando-a em dor sem sentido. Talvez possa ser verdadeira a afirmação do filósofo, e Deus tenha morrido, deixando a humanidade órfã de Sua ideologia.

Talvez não: Oxalá nem todos aceitem a banalização da perversidade como meta última da existência e resistam.