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18 de maio de 2007

Noite de erotismo literário
De Marquês de Sade a Bruna Surfistinha
No dia 11 de maio, última noite da 1ª Semana de Literatura e Comunicação da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte, os professores Célia Nonata, Ricardo Figueiredo e Helenice Almeida Santos encerraram a programação fazendo uma palestra sobre literatura erótica.



Célia Nonata, palestrante:
í
cone pop ou tema eletrizante demais ?
(foto: AC)

Célia partiu do Marquês de Sade e a literatura contemporânea deste, como a obra Teresa Filósofa (texto de autoria atribuída ao Marquês d'Argens), para explicar os contextos históricos que envolvem esse gênero literário. De acordo com a professora, Sade contribuiu de forma extraordinária para a resistência ao despotismo do Rei Sol, Luís XIV, e sua côrte. A literatura erótica foi utilizada para ridicularizar o núcleo de poder, expondo os vícios dos que se consideravam puritanos e ditavam as normas.


Imagem crua e - absolutamente - nua


As orgias versallescas eram mostradas em folhetins ricamente ilustrados. A professora Célia projetou cenas da elite francesa no século XVIII que mostravam nobreza e clero partícipes de orgias, bestialismo e muito sado-masoquismo, deixando claro o que Sade revelava de seu tempo histórico: despotismo e hipocrisia. Os folhetins que ajudaram a implodir o sistema custaram caro ao sádico Marquês: bons anos de prisão na Torre de Vincennes e um final de vida melancólico no Hospício de Charenton.



Ilustração para o livro de Sade - A História de Juliette


A literatura erótica permanece na República e, depois, no Império Napoleônico. Embora um pouco mais contida, segue como expressão artística, chegando à delicadeza do Art Noveau, quando miscigena sagrado e profano. De acordo com o professor Ricardo Figueiredo, outros autores utilizaram formas mais sutis de erotismo em suas obras, como nos romances de Honoré de Balzac (A Mulher de Trinta Anos), ou nos contos de Guy de Maupassant (Bola de Sebo, base intertextual para que Chico Buarque, muitos anos depois, compusesse a canção Geni e o Zepelim). Essas variantes deram à literatura francesa uma posição de contra-ponto ao pudico vitorianismo inglês.

Brasil erótico: do barroco à Carlos Zéfiro


Ricardo, Helenice e Célia também falaram sobre o erotismo na literatura brasileira. Mesmo antes de Sade, Gregório de Matos, o Boca do Inferno, já denunciava os hábitos escusos dos próceres baianos da época. Desse início até Carlos Zéfiro, encontra-se o erótico em estilos tão díspares quanto o arcadismo de Tomás Antônio Gonzaga ou o romantismo de José de Alencar. A arte erótica perpassa as obras dos mestres da literatura do fim do século XIX e início do século XX, como Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio e pelo teatro de Martins Pena e Arthur Azevedo, desembocando, vigoroso, na poesia e na prosa modernista de Menotti del Pichia, Carlos Drumond de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e outros.

Quadrinho de Carlos Zéfiro - "Tenho vergonha, padre !"


Capa de história de Carlos Zéfiro


Capa de livro de Cassandra Rios

As qualidades de Eros são vivas em Jorge Amado, insinuantes em Guimarães Rosa e apaixonadas em Vinícius de Morais. Sem esquecer do impulso personalista e sensual de Clarice Lispector. Cassandra Rios e Carlos Zéfiro surgem e mantêm-se num momento de efervescência política, repetindo Sade. Como se fosse um recomeço de ciclo, apontam as hipocrisias utilizando o erotismo. A literatura chega aos dias atuais com autores que expõem o erotismo e, até mesmo utilizam-se dele como objeto principal de suas obras. É o caso do realismo de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Sutilezas – ou não – de Paulo Leminski, Chacal e Glauco Mattoso, a dedicada literatura - por vezes temática - de João Silvério Trevisan e a explosão de novos autores (com a possibilidade midiática da internet) que reacendem a fantasia erótica em sua forma mais radical.

Erotismo revolucionário,

Pornografia reacionária

Célia Nonata despertou mais um debate com a eterna dicotomia erotismo/pornografia. Segundo Célia, o erotismo é parte indissociável do ser humano. Amor e desejo, de acordo com a psicanálise moderna, estão presentes na política, religião e sociedade. A partir da 2ª Grande Guerra Mundial há uma sensível diminuição da produção literária erótica, ao passo que a pornografia surge com tremenda força. O que causaria tal fenômeno ?

A pornografia (sem ligações comprometidas com a fantasia) surge – não coincidentemente – ao mesmo tempo em que despontam as técnicas de comunicação de massa nos EUA e na Alemanha nazista.

A capa do livro de Bruna Surfistinha e um cartaz de filme pornô.
Representações acabadas da alienação.


Assim como Célia, os professores Ricardo e Helenice não percebem na pornografia a mesma transcendência do erotismo. Pornografia, conforme explicado por eles, é um produto acabado, pronto para consumo imediato, de valor imanente: pseudo-erotismo de massa com o mesmo efeito alienante da literária pílula de soma de Aldous Huxsley.

Sob esse ponto de vista pode-se dizer que a pornografia é ideológica. Dogmática e reacionária, é destinada a ser fim em si mesma, como no livro O Doce Veneno do Escorpião, no qual a autora, a ex-garota de programas Bruna Surfistinha, faz uma espécie de Memorial Laboral. Por outro lado, o erotismo, menos lacunar, permite que se preencha o espaço intersticial com sonho e fantasia. Garante eterna construção, assim como o ser humano.

Debate pega fogo




Sintaxe visual garante a sensualidade do tema
(foto: AC)

Na platéia, o professor Carlos Alberto ainda tentou correlacionar a super-valorização da pornografia aos movimentos autoritários, notadamente durante a recente ditadura militar brasileira, mas àquela altura, mentes, corpos e corações já projetavam-se em outras direções, movendo-se por esferas mais cúpidas.
Tanto o fato é verdade, que corrobora-se no episódio do princípio de incêndio ocorrido na mesa dos palestrantes, exatamente em frente à professora Helenice. Em meio ao fogo e à fumaça, Helenice assemelhava-se à Enotea, sacerdotisa de Priapo, descrita por Petronio no Satiricom.

Auto-combustão ?


Helenice, em meio à fumaça: fogo & paixão

(cinegrafista: William Felix/fotograma: Claudinei Souza/FESBH)

Na saída do auditório, maçãs-do-amor foram distribuídas aos pequenos grupos que ainda debatiam animadamente sobre o erotismo.


Ou seria sobre a bela túnica rubra de Helenice ?

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