Bienal 2008 traz artistas mineiros para o olho do furacão
A 28ª edição da Bienal de São Paulo – Em Vivo Contato – foi oficialmente aberta ao público no dia 26 de outubro e irá até o dia 6 de dezembro. Para a versão 2008 foram convidados 40 artistas que representam 20 nacionalidades diferentes em um espetáculo globalizado, pronto para ser um grande forum questionador da arte contemporênea. Destaque para os artistas mineiros – Mabe Bethônico, Rivane Neuenschwander, Valeska Soares e o grupo O Grivo (Marcos Moreira Marcos e Nelson Soares) – que ocuparão com suas artes e provocações parte do espaço físico e subjetivo dos três andares do Pavilhão Cicillo Matarazzo Sobrinho (o “Pavilhão da Bienal”) no Parque do Ibirapuera em São Paulo.
A grande novidade desta edição ficou por conta da divisão conceitual dos espaços em quatro situações interligadas. Há uma proposição de integração de espaços com o entorno do pavilhão. Para isso, obstáculos físicos foram removidos no primeiro andar, promovendo maior integração com o Parque do Ibirapuera, como uma imensa ágora disposta permanentemente ao debate. É A Praça. No terceiro andar do prédio funcionará A Biblioteca, um espaço permanente de questionamento: lugar de gerar idéias, “palestrar” e “conferenciar”, que, por sua vez, abre-se irrestritamente ao virtual pelo espaço O Website que, se ao longo da Bienal servirá como orientador e fonte de pesquisa, após o término servirá como uma extensão do evento, contando com as publicações geradas a partir das atividades nos espaços.
Faltou um ? É O Vazio. A localização geográfica já parece um tanto mítica. Uma espécie de recheio especial de sanduíche ultra-saboroso que tomará lugar no segundo andar, entre A Praça e A Biblioteca. Além da geografia, O Vazio será o espaço da potencialidade, um lugar simbólico onde tudo pode ser gerado, ou, de acordo com a justificativa original do site, servirá “para instaurar um momento de reflexão, o espaço vazio remete primeiro à avaliação de um processo, de verificação de seu estado e qualidade, assim como à intensa atividade artística que toma a cidade por ocasião das Bienal”.
(Foto: blog Bien-mal2008)
Intervenção “não-oficial” na abertura: provocação aceita.
(Foto: Folha de São Paulo)
Uma provocação intelectual que já rendeu história. Antes mesmo da abertura, no dia 23 de outubro, O Vazio foi alvo de uma intervenção do grupoArac, que define-se como coladores de stickers. No domingo, abertura oficial para o público, um grupo de 40 pichadores invadiu o segundo andar com latas de tinta e muita disposição para discutir os limites da arte. Esse é o caldeirão efervescente do qual os mineiros participarão.
Mineiros potencializando o vazio
Acostumados a desenhar a música em conjunto com as imagens dos filmes para os quais fazem trilha, O Grivo chega a Bienal com a função de administrar um lote. Um lote-padrão, como é comum em Belo Horizonte, de 360m2. Serão caixas de som e máquinas musicais numa miscelânea que envolve oito grandes auto-falantes nos limites do “lote”, adicionados de mais 25, organizados pelo espaço. Além disso, 50 máquinas de som em forma de caixas completarão a instalação. Marcos e Soares explicam que em cada caixa uma haste tange superfícies de materiais diversos, como o amianto, plástico, aço e outros materiais.
De acordo com entrevista concedida à Folha de São Paulo, Marcos afirma que todo o aparato funciona como uma palheta delicada, que soará mais como timbres diversos do que com a afinação clara das notas musicais. Os visitantes poderão aproximar-se ou afastar-se de tal ou qual caixa, criando assim novas dimensões do som, uma nova maneira de ouvir, criando imagens próprias em conseqüência da funcionalidade sonora.
(Foto: Portal Uai/Estado de Minas)
Não é, definitivamente um todo autocrático e equalizador cartesiano. Os mineiros atiçam aqueles que vêm preparados para compreender diferenças e vivenciá-las. A premiada artista Mabe Bethônico, filósofa e doutora em artes visuais, já veterana de Bienal, por exemplo, propõe uma construção quase jornalística da arte. Em estrutura não-linear composta por fotos de campo, de arquivo e registros históricos de tempos diferentes, entre outros, Bethônico aposta numa investigação de espaço mais ampla, contextualizada no complexo do Parque do Ibirapuera e suas instituições: viveiros, Planetário, Museu de Arte Moderna, etc. “Entender como elas trabalham e como cuidam do próprio parque, resgatando inclusive a idéia antiga de essas instituições se unirem numa entidade”, propõe Mabe. É mais uma ação do tipo carinhosa e ao mesmo tempo perscrutadora da artista que criou o Museu do Sabão, uma delicada caixa de sabonetes que, digamos, ludicamente jogava com a denominação “Museu”.
(Foto: Portal Uai/Estado de Minas)
É exatamente essa, a característica de paradoxo presente nos “mineiros da bienal”. Algo que Fernando Brant definiu como aquilo que sabe à chocolate, vida e morte; vidro e corte. Ao acordar de um sonho estranho, o visitante vai surpreender-se com uma máquina de escrever (já, por si, um paradoxo contemporâneo) com os tipos que aplicariam letras ao papel, substituídos por pontos, signos outros. “O teclado, bem como os tipos com pontuação e números, continua inalterado. Assim, sabemos o que estamos escrevendo, mas a menos que mensagens sejam “construídas” por números, vírgulas, etc., somos privados da leitura das palavras, uma vez que as mesmas são constituídas apenas por uma seqüência de pontos”, assim a artista Rivane Neuenschwander define sua provocação. Serão várias máquinas em uma estrutura de cabines para que o visitante possa vivenciar a experiência.
Além disso, também os “Relógios de Flipar” de Rivane estarão presentes não apenas no espaço da Bienal, como também nos espaços correlatos (restaurantes e hotéis que receberão os artistas e curadores). Com pontos, círculos, no lugar de números, os relógios remetem a uma homogeneidade do tempo. “Aqui, é o tempo que não conta. Um instante é igual ao outro, que é igual ao próximo, sendo sempre diferente e distinto um do outro. O flipar do mecanismo indica a marcação de um tempo abstrato”, garante Neuenschwander.
(Foto: Portal Terra)
Tecer as diferenças numa união histórica em um jogo revolucionário de negação e afirmação. Mais uma brincadeira, dessa vez da "escultora" de textos Valeska Soares, mineira radicada em Nova Iorque, que propõe uma espécie de tapete-capacho construído sobre o texto do primeiro catálogo da Bienal (1951). "Considerei inicialmente diferentes materiais, mas, no final, o formato tapete/capacho me pareceu mais apropriado como um espaço de transição entre a zona expositiva e o arquivo da Bienal no terceiro andar. Os visitantes têm de cruzar a superfície do tapete para entrar no arquivo", diverte-se a artista com a história. Assim estará caracterizado o grande túnel do tempo semiótico.
Valeska Soares cria tapete semiótico para viajar pela Bienal
(Foto: theartists.org)