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31 de maio de 2007

Comunidade radioativa
Uma história de resistência cultural comunitária


Periferia ativa: Taquaril FM (foto AC)


Quem vê a fachada da casa simples não consegue supor que lá dentro funciona uma emissora de rádio. No alto do bairro Taquaril B, em Belo Horizonte, numa rua estreita e mal iluminada, junto da praça Che Guevara, funciona a Taquaril FM. Talvez - vá lá - os mais atenciosos reparem na antena, mas, mesmo assim, é difícil estabelecer uma relação da casinha com o que se espera de uma rádio.

Transmitindo diariamente de 06.00h as 22.00h, desde 2001, a Taquaril FM tem uma programação eclética. Da primeira atração da grade, o Café Sertanejo, ao programa Variedades que encerra as atividades diárias, os locutores e o operador de áudio Zé Vieira revezam-se no apertado cômodo utilizado como estúdio. São eles que fazem a programação navegar do Rap aos hits populares. Da Hora do Ângelus ao Funk.



Zé Vieira opera os equipamentos:
mágica das 06.00h às 22.00h (foto AC)

"Esse é o nosso jeito de atingir, da melhor forma possível, os nossos ouvintes. Não podemos esquecer que somos uma rádio comunitária, ligada à Associação de Moradores do Bairro Taquaril. Por isso mesmo não podemos nem pensar em preconceitos culturais", é o que garante o rapper e apresentador do programa Rap na Veia, W2.


W2: "somos rádio comunitária; pirata não". (foto AC)

É assim que ele prefere ser chamado. É assim que é conhecido pelos ouvintes da rádio, cuja potência alcança os bairros mais próximos: Taquaril A e B, Alto Vera Cruz, Castanheiras, Casa Branca e Saudade. "Nós já demos entrada com o nosso protocolo na Anatel e agora esperamos o deferimento. Não somos rádio-pirata. Somos contra esse tipo de radio-difusão e respeitamos o limite da potência estabelecida, que é de 25 watts. As transmissões chegam apenas na comunidade, sem atropelar rádio alguma ou quaisquer outros tipos de rádio-comunicação", garante W2, que, no entanto, reclama das rádio-piratas, comandadas por interesses pessoais, que não respeitam o espaço do dial. "Entram até em nossa freqüência", reclama.

Desejo da comunidade

A Taquaril FM surgiu como uma demanda do bairro. Era necessário um canal de comunicação para que os assuntos da associação chegassem de uma forma facilitada em toda a comunidade e para que todos entendessem. "Os meios de comunicação tradicionais, comerciais, têm suas políticas. É impossível debater determinados assuntos. Também tem a questão de identificação, porque nós, aqui, temos uma linguagem própria, bem diferente do tradicional das FM`s", esclarece W2. Ele tem 28 anos e a Taquaril FM não é sua primeira experiência. Trabalhou em outra rádio, a Comunicativa FM, até que parte dos proprietários resolveu unir-se a associação comunitária para criar uma nova rádio. W2 veio junto com os irmãos Nenéu e Girlando e com o amigo Marcelo Cardoso. A rádio funciona como um catalizador de pessoas e desejos.

Rádio sem preconceitos para servir à comunidade (foto AC)


Antes mesmo de entrar no pequenino estúdio, passa-se por uma espécie de sala, ou corredor, onde estão empilhadas cadeiras, mesas, objetos diversos e uma cadeira de rodas sanitária, evidente sinal de como funciona, e bem, o serviço de utilidade pública da rádio. "Era uma necessidade nossa ter uma fonte de divulgação da cultura dos grupos locais. Ninguém iria divulgar o nosso trabalho. A gente não pode aceitar só o que vem de fora. Também produzimos cultura. Temos aqui grupos culturais diversos. É capoeira, é rap, é funk, é samba e tudo mais. A rádio atende a todos os grupos sem discriminação" diz, com orgulho, W2.

Rap na Veia

O Rap na Veia vai ao ar de segunda a sábado, no horário de 16.00h as 17.30h. Durante a semana é W2 quem comanda a atração. Aos sábados, o irmão Nenéu assume. O programa divulga a produção local dos grupos de cultura Hip-hop. W2 conta a história do movimento surgido na Jamaica, há 40 anos. Segundo o radialista, o movimento era uma forma de união cultural e resistência. "Lá havia violência e, depois do Hip-hop, aquela violência caiu em 60%. Daí foi para os Estados Unidos, rapidamente adotado pelas comunidades de lá e com o mesmo efeito de diminuição da violência. Chegou no Brasil em 1985, em São Paulo, e, de lá pra cá, só faz crescer", explica W2. Ele afirma que o Hip-hop nada tem a ver com aculturação. "Muito pelo contrário. Cantamos música em português e a temática é totalmente nossa. Nossas vidas, nossos dissabores, nossa luta diária, a opressão da polícia...", conta o rapper que, no início do programa, era ameaçado de morte em ligações anônimas. "Fui até agredido mesmo. Aí eu abri o espaço para que eles falassem. Quer falar ? É contra ? Quer ameaçar ? Vem cá. O microfone tá aberto, é só reclamar. Tudo é democrático aqui.", esclarece W2 que, depois, passou a incentivar a valorização da comunidade através da denúncia de ações de abuso de poder.

Modulação aberta à todos (foto AC)


Segundo W2, após essa campanha as pessoas começaram a ligar e denunciar os abusos para a corregedoria (da PM). A situação mudou. "Mudou. Mudou a relação. Passaram a respeitar a comunidade. E proteger, como é mesmo a função deles. É isso o que a rádio faz: cria identificação, a comunidade se abraça numa teia de proteção, se faz forte e se valoriza. Valoriza as pessoas, valoriza a cultura. A partir do Hip-hop, das letras dos raps, da arte dos grafites, da dança dos BBoys e dos DJ`s, a comunidade descobre o samba, descobre as folias, a beleza do canto das lavadeiras", enfatiza W2. E, tudo isso, segundo o rapper, com a linguagem local.

Legitimidade política

W2 afirma que a partir da rádio (e do rap) as pessoas passaram a querer mais, a exigir mais, entender melhor os seus direitos. "Antes a gente esculachava geral nas letras, até que descobrimos que só reclamar não adianta. Fizemos uma autocrítica. Assim, nos tornamos mais políticos. As letras, hoje, mais propõem do que reclamam, são nossas soluções, é a nossa voz verdadeira que sai em cada casa. Até os mais velhos que ligam para participar do programa entendem o que falamos, nossa gíria, nossos códigos. Eles sabem que no fundo, falamos de todos, e para todos. Uns até reclamam que falo demais e que poderia ter mais música no programa. Mas é o nosso momento de questionar. O rap te leva a pensar. Você não assiste a música: você vive a música. Conscientização pura, mano". A partir da resposta popular ao programa, houve uma união de movimentos culturais de toda a região. Essa união gerou a Aliança Cultural (várias tendências) e o projeto Arte no Morro que realiza eventos, geralmente no palco de cimento da praça Che Guevara, uma conquista comunitária.


Palco Cultural Zumbi dos Palmares: a praça Che Guevara é do povo,
como o céu é do condor (foto AC)

É hora de W2 ir para casa. Trabalhou durante toda a manhã num bico de pedreiro, enquanto está desempregado. Apesar do cansaço, ainda sobra disposição para mostrar uma parte do terreno da casa, coberto de moitas de mamona. "Aqui será a biblioteca comunitária. A comunidade tem que ler, tem que conhecer. Vai funcionar aqui. Junto com a rádio. Nosso projeto não é cantar e ganhar dinheiro com a pornografia", alfineta W2, e continua "Tem estilo musical que se vendeu para a grande mídia. O rap não é assim, o movimento Hip-hop não é assim. A gente não é assim", mas logo avisa, para deixar claro que não há preconceitos: "A Taquaril FM tem até programa de funk, mas só funk bom. Nada de palavrões e coisas do tipo desvalorizar o sexo feminino. Isso não constrói nada", e assim encerra o seu discurso coerente na noite gelada do alto do bairro Taquaril.

No dial

  • A Taquaril FM pode ser sintonizada nos bairros citados, região leste de Belo Horizonte, na freqüência de 102,7 mHz.

  • No dia 10 de junho será realizado mais um Arte no Morro. Dessa vez, será um evento só de rap. As 17.00h, na praça Che Guevara, bairro Taquaril. As linhas de ônibus 9412 e 9803 fazem a ligação a partir de pontos no centro da cidade. Maiores informações pelo telefone da Taquaril FM: 3483-8803.

20 de maio de 2007

NA MARCA DO PÊNALTI
Jornalismo esportivo independente


O jornalista esportivo Jorge Eduardo (Rádio Globo - Brasil) inaugura o seu blog. Começa bem, com um golaço: foi o primeiro a postar na rede o milésimo gol do Romário. Tempo real é isso !
Jorge Eduardo (arquivo pessoal)
NA MARCA DO PÊNALTI tem tudo para ser um espaço democrático na rede para o jornalismo esportivo. Jorge garante a independência da informação, sem dar espaço para a cornetagem. Além de tudo, o jornalista é um tremendo pé-quente: desencantou o "Baixinho".
Vai fundo Jorge !
"Fique com Deus, porque... Ele existe "

18 de maio de 2007

Noite de erotismo literário
De Marquês de Sade a Bruna Surfistinha
No dia 11 de maio, última noite da 1ª Semana de Literatura e Comunicação da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte, os professores Célia Nonata, Ricardo Figueiredo e Helenice Almeida Santos encerraram a programação fazendo uma palestra sobre literatura erótica.



Célia Nonata, palestrante:
í
cone pop ou tema eletrizante demais ?
(foto: AC)

Célia partiu do Marquês de Sade e a literatura contemporânea deste, como a obra Teresa Filósofa (texto de autoria atribuída ao Marquês d'Argens), para explicar os contextos históricos que envolvem esse gênero literário. De acordo com a professora, Sade contribuiu de forma extraordinária para a resistência ao despotismo do Rei Sol, Luís XIV, e sua côrte. A literatura erótica foi utilizada para ridicularizar o núcleo de poder, expondo os vícios dos que se consideravam puritanos e ditavam as normas.


Imagem crua e - absolutamente - nua


As orgias versallescas eram mostradas em folhetins ricamente ilustrados. A professora Célia projetou cenas da elite francesa no século XVIII que mostravam nobreza e clero partícipes de orgias, bestialismo e muito sado-masoquismo, deixando claro o que Sade revelava de seu tempo histórico: despotismo e hipocrisia. Os folhetins que ajudaram a implodir o sistema custaram caro ao sádico Marquês: bons anos de prisão na Torre de Vincennes e um final de vida melancólico no Hospício de Charenton.



Ilustração para o livro de Sade - A História de Juliette


A literatura erótica permanece na República e, depois, no Império Napoleônico. Embora um pouco mais contida, segue como expressão artística, chegando à delicadeza do Art Noveau, quando miscigena sagrado e profano. De acordo com o professor Ricardo Figueiredo, outros autores utilizaram formas mais sutis de erotismo em suas obras, como nos romances de Honoré de Balzac (A Mulher de Trinta Anos), ou nos contos de Guy de Maupassant (Bola de Sebo, base intertextual para que Chico Buarque, muitos anos depois, compusesse a canção Geni e o Zepelim). Essas variantes deram à literatura francesa uma posição de contra-ponto ao pudico vitorianismo inglês.

Brasil erótico: do barroco à Carlos Zéfiro


Ricardo, Helenice e Célia também falaram sobre o erotismo na literatura brasileira. Mesmo antes de Sade, Gregório de Matos, o Boca do Inferno, já denunciava os hábitos escusos dos próceres baianos da época. Desse início até Carlos Zéfiro, encontra-se o erótico em estilos tão díspares quanto o arcadismo de Tomás Antônio Gonzaga ou o romantismo de José de Alencar. A arte erótica perpassa as obras dos mestres da literatura do fim do século XIX e início do século XX, como Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio e pelo teatro de Martins Pena e Arthur Azevedo, desembocando, vigoroso, na poesia e na prosa modernista de Menotti del Pichia, Carlos Drumond de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade e outros.

Quadrinho de Carlos Zéfiro - "Tenho vergonha, padre !"


Capa de história de Carlos Zéfiro


Capa de livro de Cassandra Rios

As qualidades de Eros são vivas em Jorge Amado, insinuantes em Guimarães Rosa e apaixonadas em Vinícius de Morais. Sem esquecer do impulso personalista e sensual de Clarice Lispector. Cassandra Rios e Carlos Zéfiro surgem e mantêm-se num momento de efervescência política, repetindo Sade. Como se fosse um recomeço de ciclo, apontam as hipocrisias utilizando o erotismo. A literatura chega aos dias atuais com autores que expõem o erotismo e, até mesmo utilizam-se dele como objeto principal de suas obras. É o caso do realismo de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Sutilezas – ou não – de Paulo Leminski, Chacal e Glauco Mattoso, a dedicada literatura - por vezes temática - de João Silvério Trevisan e a explosão de novos autores (com a possibilidade midiática da internet) que reacendem a fantasia erótica em sua forma mais radical.

Erotismo revolucionário,

Pornografia reacionária

Célia Nonata despertou mais um debate com a eterna dicotomia erotismo/pornografia. Segundo Célia, o erotismo é parte indissociável do ser humano. Amor e desejo, de acordo com a psicanálise moderna, estão presentes na política, religião e sociedade. A partir da 2ª Grande Guerra Mundial há uma sensível diminuição da produção literária erótica, ao passo que a pornografia surge com tremenda força. O que causaria tal fenômeno ?

A pornografia (sem ligações comprometidas com a fantasia) surge – não coincidentemente – ao mesmo tempo em que despontam as técnicas de comunicação de massa nos EUA e na Alemanha nazista.

A capa do livro de Bruna Surfistinha e um cartaz de filme pornô.
Representações acabadas da alienação.


Assim como Célia, os professores Ricardo e Helenice não percebem na pornografia a mesma transcendência do erotismo. Pornografia, conforme explicado por eles, é um produto acabado, pronto para consumo imediato, de valor imanente: pseudo-erotismo de massa com o mesmo efeito alienante da literária pílula de soma de Aldous Huxsley.

Sob esse ponto de vista pode-se dizer que a pornografia é ideológica. Dogmática e reacionária, é destinada a ser fim em si mesma, como no livro O Doce Veneno do Escorpião, no qual a autora, a ex-garota de programas Bruna Surfistinha, faz uma espécie de Memorial Laboral. Por outro lado, o erotismo, menos lacunar, permite que se preencha o espaço intersticial com sonho e fantasia. Garante eterna construção, assim como o ser humano.

Debate pega fogo




Sintaxe visual garante a sensualidade do tema
(foto: AC)

Na platéia, o professor Carlos Alberto ainda tentou correlacionar a super-valorização da pornografia aos movimentos autoritários, notadamente durante a recente ditadura militar brasileira, mas àquela altura, mentes, corpos e corações já projetavam-se em outras direções, movendo-se por esferas mais cúpidas.
Tanto o fato é verdade, que corrobora-se no episódio do princípio de incêndio ocorrido na mesa dos palestrantes, exatamente em frente à professora Helenice. Em meio ao fogo e à fumaça, Helenice assemelhava-se à Enotea, sacerdotisa de Priapo, descrita por Petronio no Satiricom.

Auto-combustão ?


Helenice, em meio à fumaça: fogo & paixão

(cinegrafista: William Felix/fotograma: Claudinei Souza/FESBH)

Na saída do auditório, maçãs-do-amor foram distribuídas aos pequenos grupos que ainda debatiam animadamente sobre o erotismo.


Ou seria sobre a bela túnica rubra de Helenice ?