Artes, artistas,
Artesãos, artesanato
A confusão nossa de cada dia
É comum depararmo-nos com quadros, esculturas, painéis e tantas outras manifestações estéticas. Nossos templos, repartições, praças estão repletos do que convencionou-se nomear de arte, fora os espaços específicos, como museus e galerias. São elementos palpáveis – ou não – destinados a provocar reações: agrado, comoção, irritação, contrariedade, etc.
Também de arte chamamos os penduricalhos que ornam as pessoas, os bibelôs espalhados pelas casas, as "pinturas de compor ambientes", as cestarias e muitos outros objetos do cotidiano, utilizados para tornar mais bela e agradável a nossa caminhada.
Trigais III - Carlos Bracher
Arte ou artesanato ?
Até que ponto o artesanato é arte ? A partir de qual instante a arte passa a ser artesanato ? A quem é dado o poder de rotular, classificar, codificar e estabelecer o que uma coisa e outra são ? E, principalmente, quem dá esse poder ?
Segundo os dicionários, a arte é uma atividade de expressão estética de sensações e idéias. O artista é aquele que pratica uma arte, que revela sentimento artístico, mas também – está lá, no dicionário – um artesão, artífice. E o pai dos burros é definitivo quando a intenção é confundir: artesanato é a arte ou técnica do artesão, que, por sua vez, é definido como um trabalhador autônomo que exerce um trabalho manual. Ou seja, voltamos à estaca zero.
De acordo com o artista plástico Rafael Abreu, o comum é imaginar a arte como um processo de maior elaboração, enquanto o artesanato geralmente é vinculado a um processo repetitivo, elaborado em escala, e, por isso, de rápida execução. "Mas não se pode negar, que em ambos os casos, há sempre uma interferência artística, um momento inicial de criação. Talvez o que torne artesanato, aquilo que, inicialmente foi tido como arte, seja a intenção reprodutiva. A popularização é que dá o cunho artesanal", sugere Rafael.
(foto: AC)
Rafael Abreu entre arte e artesanato
(foto: AC)
Detalhe de bolsa artesanal de Maurília
Ímas artesanais de João Lobo ao lado de tela de Gilberto Abreu: convivência harmônica
cartões de Flô e bonecos de Hudson de Souza
Rafael diz que o que confere qualidade artística é a permanência e reconhecimento da obra através dos tempos, as escolas que criou, os estilos que influenciou. "Temos que lembrar que, para a sua época, Van Gogh era apenas um artista de feira, um artesão. Arthur Bispo do Rosário e o Profeta Gentileza eram considerados loucos: um internado, outro, andarilho. Hoje, a análise artística tende a caminhar junto ao contemporâneo e não sabemos no que pode dar, a arte necessita de amadurecimento", afirma.
Rafael Abreu destaca que grandes artistas começaram como artesãos. De acordo com Abreu, Antonio Poteiro faz juz ao cognome, fabricava potes de cerâmica antes de partir para as cores e de lá, para as telas. Francisco Brennand viabilizou sua arte cerâmica com uma fábrica de revestimentos: pisos, ladrilhos, etc. "Os ceramistas do Vale do Jequitinhonha são artistas fantásticos e nem por isso suas obras – e eles mesmos o fazem – deixam de tomar o caminho do artesanato por uma questão de sobrevivência", explica Rafael Abreu, que começou fazendo pinturas em camisetas.
Quadro de Antônio Poteiro
"Não se pode negar que o artesanato surge a partir de um projeto de arte, mas entendo que nem tudo o que se produz em repetições deva ser chamado de artesanato. É apenas uma forma de divulgação maior de um trabalho de qualidade", enfatiza Rafael. O artista relembra as produções em série de artistas de outras áreas e cita como exemplo o escritor francês Honoré de Balzac ou brasileiro Machado de Assis, que reproduziam suas obras de todas as formas possíveis, como meio de sobrevivência. "Seria justo chamar aquela literatura de artesanato ?", questiona Rafael.
A pensar
Artesanato, então, seria a arte em potencial, pronta para explodir, ou tomar outro caminho. Talvez o único padrão capaz de diferenciar arte de artesanato seja a estética. Aistetikós, palavra grega que deu origem a estética, significa "aquilo que é relativo aos sentidos ou sensações". A estética é a filosofia da arte, estuda as relações entre crítica e gosto. Dessa forma podemos sugerir uma classificação ao melhor estilo dos filósofos empiristas, para os quais todo o tipo de conhecimento provém da percepção. O entendimento de arte seria, então, a soma das experimentações individuais e coletivas.
Coisa de Pirandello: Assim é, se lhe parece.
3 comentários:
amei...
Campinas,
Adorei a divagação...
Concordo com você;afinal, a quem é dado o poder de rotular e quem dá esse poder?...
bjinho
Ana Rita Fernandes
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